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quarta-feira, 14 de abril de 2010

Carboidratos fermentáveis: Um vínculo entre a doença periodontal e a doença cardiovascular?

O primeiro trabalho indicando um vínculo entre a doença dental e a doença cardíaca foi escrito por Cleave e Campbell em 1966. No artigo esses pesquisadores postularam que carboidratos excessivamente fermentáveis poderiam levar tanto a doença dental quanto a doenças sistêmicas (1). Yudkin, partilhando da mesma opinião de Cleave, escreveu em 1972: “Minha pesquisa sobre a doença coronária me convenceu além de qualquer dúvida que o açúcar participa de uma considerável parte nessa aterradora epidemia” (2). Enquanto ambos Cleave and Yudkin tinham distintas hipóteses a respeito de quais carboidratos dietéticos causavam doenças sistêmicas, eles estavam unificados quanto à significância de carboidratos dietéticos altamente glicêmicos para as doenças dentais. De acordo com suas hipóteses ambas as doenças dentais e sistêmicas aconteciam devido a uma ingestão em excesso de carboidratos fermentáveis, sendo a doença dental um marcador prematuro de doenças sistêmicas, que deveria primariamente ser prevenida pela restrição de carboidratos fermentáveis.
Hujoel, em um excelente trabalho de revisão publicado em 2009 (3), diz que:“Em favor da hipótese de Cleave-Yudkin’s está a capacidade de predizer e explicar as associações das doenças dental-sistêmicas as quais eram desconhecidas quando a hipótese foi formulada. É conhecido agora, por exemplo, que marcadores do metabolismo anormal da glicose, tais como altos níveis de produtos finais de glicação avançada ou pós-carga de concentração de glicose no plasma, têm sido relacionados a diversos resultados sistêmicos como, por exemplo, a doença cardiovascular (Jandeleit-Dahm and Cooper, 2008). Similarmente, quanto mais a dieta gera uma queda no pH da placa dental, mais ela estimula os níveis de glicose sangüínea, providenciando um elegante modelo de plausibilidade biológica para a hipótese de Cleave-Yudkin, de que caries dentais são um sinal de alarme para doenças sistêmicas (Lingström et al., 1993)”.
Confirmando a hipótese de Cleave-Yudkin, um estudo italiano publicado na semana passada mostrou que uma dieta com carga altamente glicêmica e ingestão de carboidratos de alimentos com alto índice glicêmico aumenta o risco total de doença cardiovascular na mulher, mas não no homem. Na prática o estudo mostrou que mulheres que comem muito mais pão branco, arroz branco, pizza, e outros alimentos ricos em carboidratos, que causam a estimulação do açúcar no sangue, são possivelmente mais de duas vezes de terem risco de desenvolverem doença cardíaca, do que mulheres que ingerem menos desses alimentos. Esse estudo que envolveu 47.749 voluntários (15.171 homens e 32.578 mulheres), os quais completaram o questionário dietético, teve uma duração média de 7.9 anos de seguimento com 463 casos de doença cardiovascular (158 mulheres e 305 homens) identificados. Os autores disseram em seu artigo que uma possível razão para o fracasso de se achar uma associação entre uma dieta altamente glicêmica e doença cardiovascular entre os homens poderia ser que mudanças adversas do colesterol HDL no plasma e níveis de triglicérides, como um resultado da dieta altamente glicêmica, são fatores de risco mais fortes nas mulheres do que nos homens (4).
É interessante notar que dietas com alto teor de carboidratos, particularmente na forma de carboidratos com alto índex glicêmico podem manter o sistema nervoso simpático hiperativo (5). Também que dietas com alto teor de carboidratos podem aumentar significativamente a atividade de desidrogenase láctica no soro sangüíneo (6).
Todos os pontos citados acima fornecem evidências para a nossa teoria da acidez na aterosclerose (6).
Tratamento da doença periodontal na prevenção da aterosclerose
Alguns estudos recentes mostraram que o tratamento da doença periodontal resulta em benefícios para a prevenção da aterosclerose. Tonetti e colegas mostraram que no tratamento periodontal intensivo, após 6 meses da terapia, os benefícios na saúde oral foram associados com melhoria na função endotelial (7). Piconi e colegas confirmaram que o tratamento da doença periodontal além de resultar em melhorias na disfunção endotelial também reduz a espessura da intima-média da carótida. Os autores desse trabalho concluíram que seus resultados oferecem suporte para a hipótese de que a doença periodontal predispõe a aterosclerose, jogando alguma luz sobre os mecanismos possivelmente associados com essa hipótese e reforçando a idéia de que a aterosclerose é uma doença imune-mediada (8).
Uma hipótese alternativa
Tomando em vista que alguns fatores de risco como, por exemplo, hábito de fumar, estresse, genética, aumento na idade, e ingestão de dietas com alto teor de carboidratos contribuem tanto para a periodontite quanto para a doença cardiovascular, nós temos uma hipótese alternativa através dos seguintes mecanismos:
- Uma rua de mão dupla -
1) De um lado o transporte da boca diretamente para a circulação sangüínea, através de via sublingual, de açucares relacionados a dietas com alto teor de carboidratos, levando a hiperatividade do sistema nervoso simpático e então ao processo aterosclerótico. Essa idéia está baseada no uso regular da via sublingual com difusão diretamente na circulação venosa para rápidos efeitos de remédios, incluindo drogas cardiovasculares.
2) De outro lado as concentrações de saliva representando um mistura de respostas inflamatórias crônicas locais mais a acidez de outras condições do organismo derivadas na sua maior parte de estresse crônico, ao lado de outros fatores causando a acidez e expressados por marcadores de acidez sangüínea, desidrogenase láctica, de atividade do sistema nervoso simpático, e de atividade do eixo hipotalâmico-pituitária-adrenal. A nosso ver essa segunda via pode também contribuir para a doença dental.
Carlos Monteiro
1. Cleave TL, Campbell GD (1966). Diabetes, coronary thrombosis, and the saccharine disease Bristol,: Wright
2. Yudkin J (1972b). Sweet and dangerous; the new facts about the sugar you eat as a cause of heart disease, diabetes, and other killers. New York: P.H. Wyden, Inc.
3. Hujoel P, Dietary Carbohydrates and Dental-Systemic Diseases, J Dent Res 2009; 88; 490. Abstract at http://jdr.sagepub.com/cgi/content/abstract/88/6/490
4. Sabina Sieri,Vittorio Krogh, et al . Dietary Glycemic Load and Index and Risk of Coronary Heart Disease in a Large Italian Cohort, EPICOR Study. Arch Intern Med. 2010;170(7):640-647
5. Koop W. Chronically increased activity of the sympathetic nervous system: our diet-related “evolutionary” inheritance. The Journal of Nutrition, Health & Aging Volume 13, Number 1, 2009
6. Carlos ETB Monteiro, “Ambiente ácido evocado por estresse crônico: Um novo mecanismo para explicar aterogênese.”, disponível no Infarct Combat Project, Janeiro 28, 2008 em http://www.infarctcombat.org/AcidityTheory-p.pdf (versão em português)
7. Tonetti MS et al. Treatment of Periodontitis and Endothelial Function, NEJM - Volume 356:911-920, March 1, 2007
8. Piconi S et al.Treatment of periodontal disease results in improvements in endothelial dysfunction and reduction of the carotid intima-media thickness. FASEB J. 23, 1196–1204 (2009)