Por séculos o sal foi visto como essencial para a saúde humana. Nos últimos anos têm acontecido uma intensa discussão quanto aos benefícios ou potencial dano na redução do consumo de sal (Cloreto de sódio), pela população em geral. Um antigo defensor da redução de sal é o Dr. Graham MacGregor da Queen Mary University of London, Londres, UK. No lado oposto existe um crescente número de médicos que não concordam com uma restrição generalizada no consumo de sódio. Um deles é o Dr. Michael Alderman do Albert Einstein College of Medicine, Nova York, EUA, que diz que os dados disponíveis não providenciam suporte para qualquer recomendação universal para um nível em particular de cloreto de sódio na dieta (1, 2).
De qualquer forma é importante enfatizar que uma redução geral no consumo de sal na dieta pode ser conseguida apenas através da redução do conteúdo do cloreto de sódio dos alimentos processados, os quais significam cerca de 75% a 80% do cloreto de sódio consumido diariamente (3). Mesmo o sal de mesa atualmente consumido é industrialmente processado com os minerais essenciais removidos quase completamente.
Recentemente um estudo Europeu questionou a necessidade de se reduzir o consumo de sal na população em geral e refutou as estimativas geradas por computador quanto as vidas e custos de cuidados na saúde que seriam salvos pela redução no consumo de sódio. Os autores ressaltaram que os estudos prévios onde nos quais as recomendações para a redução no consumo de sal foram baseadas são todos de curto prazo, testes de intervenção controlada, nos quais existem reduções na pressão sangüínea de pacientes hipertensos e um pequeno decréscimo na pressão sangüínea de voluntários normotensos, com a redução de sódio, e esses estudos foram extrapolados para a população como um todo. Os autores também notam que a presunção de que um consumo mais baixo de saliria no longo prazo reduzir a pressão sangüínea, não foi confirmada em estudos longitudinais baseados na população. O achado mais controverso neste estudo prospectivo, que envolveu 3681 participantes sem doença cardiovascular, foi de que o consumo reduzido de sódio - da forma como foi medida por 24-horas a extração de sódio - foi associada com uma aumentada mortalidade cardiovascular. No estudo os autores disseram que o mecanismo fundamental que explicaria a associação inversa entre a mortalidade cardiovascular e a extração de sódio na urina por 24 horas, poderia ser que um consumo de sal baixo o suficiente para decrescer a pressão sangüínea também aumentou a atividade do nervo simpático, decresceu a sensitividade à insulina, ativou o sistema renina-angiotensina e estimulou a secreção de aldosterona (4).
Esse estudo Europeu não foi o primeiro a achar que uma dieta com baixo conteúdo de sódio seja prejudicial à saúde. O estudo NHANES, publicado em 2006, constituído de uma amostra com 7154 participantes, descobriu que uma dieta com baixo teor de sódio foi associada com a estimulação do sistema nervoso simpático, e com um aumento nos resultados de mortalidade na doença cardiovascular e por todas as causas. Outros testes de curto prazo também observaram a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e no sistema nervoso simpático, um decréscimo na sensitividade à insulina, e aumentos nas concentrações do colesterol LDL, triglicérides e de ácido úrico (6).
Graham MacGregor, convidado para discutir o estudo pelo Heartwire (7), demonstrou irritação a respeito dos comentários sobre os possíveis mecanismos adjacentes citados no estudo Europeu, (4), dizendo “Nós mostramos em nossa meta-análise que reduzindo o sal nos montantes que estamos recomendando não há aumento na atividade do simpático, existe um trivial aumento na renina, e nenhuma evidência de quaisquer efeitos adversos, nenhum significado fisiológico seja o que for.”
O Dr. MacGregor também havia reagido em 2003 (8), em uma correspondência para o Jornal Circulation, quanto aos achados feitos por Grassi e colegas nos efeitos da modesta redução de sal na atividade simpática (9).
De outro lado, por causa dos níveis de noradrenalina no plasma durante um alto consumo de sal permanecerem inalterados em pacientes sensitivos ao sal, mas reduzidos em pacientes normais e nos pacientes hipertensivos não sensitivos ao sal, foi sugerido que esses relacionamentos anormais no consumo de sal, teriam origem na atividade simpática (10). É interessante notar sobre a descoberta feita há vários anos de que uma dieta com alto teor de sódio pode deprimir a função barorreflexa, levando ao estímulo da ativação simpática (11).
Um artigo de revisão recente feito por pesquisadores da Boston University School of Medicine (BUSM) questiona o conceito amplamente divulgado de que a hipertensão, ou pressão alta, é o resultado de excesso de sal causando um aumento do volume sanguíneo, exercendo pressão extra sobre as artérias. Publicado online no Journal of Hypertension (1), o estudo demonstra que o excesso de sal estimula o sistema nervoso simpático a produzir adrenalina, causando constrição arterial e hipertensão. Este estudo cita que vários pesquisadores ao longo dos anos 1960 e 1970, relataram níveis elevados de catecolaminas plasmáticas em até 40% dos pacientes com hipertensão essencial (14-17), bem como uma associação de aumento de catecolaminas com a alta ingestão de sódio em animais experimentais e seres humanos (18-21)
Tendo em vista que tanto a restrição quanto um maior consumo de sódio na dieta podem ser deletérios à saúde humana, não partilhamos da opinião quanto a uma restrição indiscriminada no consumo de sódio ao nível da população, e como uma recomendação universal, seja uma boa solução para ajudar na prevenção da doença cardiovascular. Na nossa idéia o balanço de sal no organismo deve ser pensado de acordo com requerimentos individuais.
Além de tudo porque acreditamos que a predominância do simpático seja o fator primário na cascata de eventos levando a doença cardiovascular, de acordo com nossa teoria da acidez na aterosclerose (12).
Nota
Um novo estudo (2) mostrou que pessoas que consomem muito sal e pouco potássio em sua dieta tiveram um significativo aumento no risco de óbito por doença cardiovascular comparado com aqueles que tiveram uma mais baixa relação entre sódio e potássio. O estudo, que teve uma média de 14,8 anos de follow-up, coletando dados sobre 12.267 pessoas, não é o primeiro estudo a achar uma associação entre alta pressão sangüínea e altos níveis de consumo de sal e baixos níveis de ingestão de potássio.
No entanto, a Dra. Elena Kuklina, co-autora desse estudo, disse ao Heartwire (23) que esse é o primeiro grande estudo nacional avaliando sódio e potássio ao mesmo tempo. Ela também disse que "As maiores implicações de seus achados são de que uma dieta balanceada em ambos os nutrientes é importante. As pessoas deveriam tentar reduzir o sódio em particular através do consumo menor de alimentos processados, mas também deveriam aumentar a ingestão de potássio".
A Dra. Kublina também enfatizou junto ao Heartwire que as pessoas precisam entender sobre o maciço impacto que o processamento tem quanto aos alimentos. Ela cita, por exemplo, que 100 g de carne de porco não processada contêm 61 mg de sódio e 340 mg de potássio, mas transformando isso em presunto altera essa relação significativamente, a um rendimento colossal de 921 mg de sódio e, de outro lado, reduz o conteúdo de potássio a 240 mg.
Falando sobre os resultados desse estudo o Dr. David Brownstein, um colega no THINCs, fez uma interessante observação dentro de nosso fórum interno, sobre o alto consumo de sal dependendo do seu tipo, se sal refinado ou não refinado. O Dr. David disse que “Sal refinado carece de potássio. O uso de sal refinado leva ao desbalanceamento de sódio/potássio. Isso pode ser retificado pelo uso de sal não refinado o qual contêm tanto sódio (menores montantes se comparado com sal refinado) e potássio. Esse artigo, arrematou ele, deveria ser intitulado de ‘Os problemas com sal refinado: A deficiência de potássio’.
Eu concordo com o Dr. David Brownstein, nessa sua opinião. Principalmente levando-se em consideração quanto a importância das alterações na atividade sódio/potássio conforme expressadas em nosso trabalho sobre a teoria da acidez na aterosclerose (12).
Carlos Monteiro
1. He FJ and MacGregor GA, . How far should salt intake be reduced? Hypertension 2003; 42:1093-1099. Full free text at http://hyper.ahajournals.org/cgi/reprint/42/6/1093
2. Michael H. Alderman, Evidence Relating Dietary Sodium to Cardiovascular Disease. Journal of the American College of Nutrition, Vol. 25, No. 3, 256S–261S (2006). Full free text at http://www.jacn.org/content/25/suppl_3/256S.full
3. Klaus D et al. Salt restriction for the prevention of cardiovascular disease. Dtsch Arztebl Int 2010; 107(26):457-62. Full free text at http://www.aerzteblatt.de/int/article.asp?id=77388
4. Stolarz-Skrypek K, et al. Fatal and nonfatal outcomes, incidence of hypertension, and blood pressure changes in relation to urinary sodium excretion. JAMA 2011; 305:1777-1785
5. Cohen HW, et al. Sodium Intake and Mortality in the NHANES II Follow-up Study. The American Journal of Medicine (2006) 119, 275.e7-275.e149.
6. Jurgens G, Graudal NA. Effects of low sodium data versus high sodium diet on blood pressure, renin aldosterone, catecholamines cholesterols, and triglyceride. Cochrane Database Syst Rev. 2004; Issue 1. Art. No.: CD004022
7. New Salt paper causes controversy. Heartwire, May 3, 2011 (http://www.theheart.org)
8. He FJ and MacGregor GA. Salt intake and sympathetic activity. Circulation 2003 Apr 29; 107 ((16): 108 author reply. Full free text at http://circ.ahajournals.org/ggi/reprint/107/16/e108
9. Guido Grassi, et al. Short- and Long-Term Neuroadrenergic Effects of Moderate Dietary Sodium restriction in Essential Hypertension. Circulation. 2002;106: 1957-1961. Full free text at http://circ.ahajournals.org/cgi/reprint/106/15/1957
10. Campese VM, et al. Abnormal relationship between sodium intake and sympathetic nervous system activity in salt-sensitive patients with essential hypertension. Kidney Int., 1982; 21: 371-378
11. MA Creager, et al. Sodium depresses arterial baroreceptor reflex function in normotensive humans. Hypertension 1991;17;989-996
12. Carlos ETB Monteiro, “Ambiente ácido evocado por estresse crônico: Um novo mecanismo para explicar aterogênese.”, disponível no Infarct Combat Project, Janeiro 28, 2008 em http://www.infarctcombat.org/AcidityTheory-p.pdf (versão em português)
13. Volume-expanded' hypertension: the effect of fluid overload and the role of the sympathetic nervous system in salt-dependent hypertension, Journal of Hypertension, V30; N1: January 2012 doi: 10.1097/HJH.0b013e32834f6de1
14. de Champlain J, Farley L, Cousineau D, van Ameringen MR. Circulating catecholamine levels in human and experimental hypertension. CircRes 1976; 38:109–114.
15. Louis WJ, Doyle AE, Anavekar S. Plasma norepinephrine levels in essential hypertension. N Engl J Med 1973; 288:599–601.
16. Sever PS, Osikowska B, Birch M, Tunbridge RD. Plasma noradrenaline in essential hypertension. Lancet 1977; 1:1078–1081.
17. Lake CR, Kopin IJ, Ziegler MG, Coleman MD. Plasma catecholaminesand neurogenic hypertension. N Engl J Med 1977; 297:53–54.
18. de Champlain J, Krakoff L, Axelrod J. Interrelationships of sodium intake, hypertension, and norepinephrine storage in the rat. Circ Res 1969; 24 (Suppl):75–92.
19. Reid JL, Zivin JA, Kopin IJ. Central and peripheral adrenergic mechanisms in the development of deoxycorticosterone-saline hypertension in rats. Circ Res 1975; 37:569–579.
20. Murray RH, Luft FC, Bloch R, Weyman AE. Blood pressure responses to extremes of sodium intake in normal man. Proc Soc Exp Biol Med 1978; 159:432–436.
21. Nicholls MG, Kiowski W, Zweifler AJ, Julius S, Schork MA, Greenhouse J. Plasma norepinephrine variations with dietary sodium intake. Hypertension 1980; 2:29–32.
22. Yang Q, Liu T, Kuklina EV et al. Sodium and potassium intake and mortality among US adults. Prospective data from the Third National Health and Examination Survey. Arch Intern Med 2011, 171 (13):1183-91
23. Sodium/potassium ratio important for health. Heartwire, July 11, 2011
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